A Suíça pode não se beneficiar do Brexit como imagina

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Enquanto não se sabe o resultado do plebiscito sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia, políticos e a mídia na Suíça debatem sobre as possíveis consequências do voto para o país. swissinfo.ch tenta explicar a complicada relação de interesses.

British Prime Minister David Cameron gathering his thoughts in the Swiss resort of Davos on January 24 (Keystone)

British Prime Minister David Cameron gathering his thoughts in the Swiss resort of Davos on January 24

(Keystone)

A Suíça não é membro da União Europeia. Então por que se preocupar com o "Brexit" (n.r.: saída do Reino do bloco)?

A resposta curta é que o governo suíço está sob pressão para encontrar um acordo com a União Europeia no controle da imigração. Já Bruxelas disse que não irá dar atenção à Berna antes de negociar com Londres.

E a resposta longa?

Tudo leva ao voto dado em 9 de fevereiro de 2014, quando 50,3% dos eleitores suíços aprovaram a iniciativa lançada pelo Partido do Povo Suíço (UDC, na sigla em francês) para impor limites à imigração de trabalhadores oriundos dos países da União Europeia e EFTA (n.r.: Associação Europeia de Livre Comércio). Após o plebiscito, o Parlamento recebeu um prazo de três anos para implementar a nova Lei e este termina em 9 de fevereiro de 2017.

O problema, como Bruxelas foi rápido em salientar, é que o controle da imigração à Suíça fere os acordos de livre-circulação de pessoas, um dos princípios centrais da União Europeia e aceito pela Suíça em 2002 como parte de um pacote de acordos bilaterais.

O governo federal encontrou-se assim na posição ingrata de encontrar a solução praticamente impossível ao dilema: implementar uma iniciativa que impõe limites à livre circulação de pessoas sem pôr em causa os acordos com a União Europeia.

Qual a solução encontrada pelo governo?

Ele ainda trabalha nela. Em 4 de março, o governo propôs uma chamada cláusula unilateral de salvaguarda para conter a imigração. Ela entraria em vigor em 2017 caso não seja possível firmar um acordo com a União Europeia que limite o afluxo de estrangeiros. Nesse acordo, a ser submetida à aprovação pelo Parlamento, a Suíça reivindicaria o direito de limitar o livre acesso ao mercado de trabalho suíço em caso de sérios problemas econômicos e sociais.

No mesmo dia, o governo federal anunciou aceitou assinou outro acordo com Bruxelas: no caso, a extensão do acordo da livre-circulação aos cidadãos da Croácia.

Mas como governo quer conter a imigração e estende, ao mesmo tempo, a livre circulação de pessoas?

É uma espécie de mágica. Dois dias depois, o ministro suíço das Relações Exteriores, Didier Burkhalter, respondeu aos críticos, para quem o governo estaria enviado sinais contraditórios à Europa. "Simplesmente estamos dizendo à UE que é possível resolver os problemas de forma gradual e com um pouco de pragmatismo e imaginação. A assinatura do protocolo é um desses passos: ele nos aproxima de o objetivo de melhor administrar à imigração na Suíça, preservando e desenvolvendo ao mesmo tempo a abordagem bilateral."

Qual disse Bruxelas em resposta?

Não muito. A UE continua firme nas suas exigências de não aceitar nenhum limite à livre-circulação de pessoas. Na verdade, ninguém, com exceção da UDC, defende a opção unilateral, e não só por esta violar a livre-circulação. A situação de aproximadamente 300 mil trabalhadores transfronteiriços – que não é uma questão para a Grã-Bretanha – continua indefinida. Também as companhias suíças podem ter problemas de contratação de pessoal e muitos trabalhadores da UE vivendo próximos à fronteira com a Suíça iriam perder os seus empregos (na Suíça). Bruxelas não estaria seguramente satisfeita e pensaria, provavelmente, em algumas contramedidas desagradáveis.

Em fevereiro, como parte das negociações com o primeiro-ministro britânico David Cameron, a UE concordou em admitir uma cláusula de salvaguarda para a Grã-Bretanha. Quais são as chances de aceitar um acordo semelhante com a Suíça?

Essa é a grande questão, mas atualmente as perspectivas não são boas. Mesmo o ministro Burkhalter admitiu não existir uma "ligação direta" entre a solução proposta em Londres e as negociações conduzidas pela Suíça como consequência do plebiscito de 2014.

Enquanto Londres procura reduzir os gastos com assistência social para os imigrantes, a Suíça quer reintroduzir quotas para os trabalhadores oriundos dos 28 países da UE, assim como a Noruega, Islândia e Liechtenstein. "Não significa que uma solução aceita (pela Grã-Bretanha) também seja uma solução para a Suíça", disse o político em dois de fevereiro.

Ele também ressaltou a diferença de status dos dois países. "Não somos membros da UE e não queremos nos tornar um deles. Já a Grã-Bretanha é um membro que debate se quer ou não continuar dentro da UE."

Bruxelas está ciente de que chegar a um acordo com um país não-membro como a Suíça – especialmente ao incluir cláusulas de salvaguardas – pode inspirar outros países membros e influenciar os eleitores britânicos a apoiar a saída da União Europeia. Estes vislumbrariam a possibilidade de negociar um acordo semelhante como o da Suíça. Por isso, algumas pessoas na Grã-Bretanha olham tristemente para o acordo de livre-comércio firmado entre a Suíça e a China há pouco tempo. Como membro da UE, a Grã-Bretanha está impedida de assinar acordos semelhantes, mas poderá fazê-lo se estiver fora da UE.

O ministro suíço da Economia, Johann Schneider-Ammann, é atualmente o presidente da Confederação Suíça segundo o sistema rotatório entre os membros do governo federal. Ele confirmou em quatro de fevereiro ter "recebido indicações que a Suíça poderá voltar à mesa (de negociações com Bruxelas) assim que o principal acordo for concluído entre a Grã-Bretanha e a UE."

Tudo isso pressupõe que os eleitores britânicos votem pela permanência do país na UE…

Esse voto seria certamente a opção menos ruim para a Suíça. Bruxelas poderia então, em teoria, sair da "dor-de-cabeça" de Londres para a de Berna. Porém, mesmo assim, não haveria muito tempo para negociar uma solução que possa ser apresentada ao Parlamento federal na Suíça antes de fevereiro de 2017. Uma solução multilateral está longe de ser um negócio já concluído.

E no caso de ocorrer um "Brexit"?

Bem, se a Grã-Bretanha sair da UE, a Suíça será a menor das preocupações de Bruxelas por muitos anos (o processo formal de saída leva dois anos para começar). Como o embaixador da Suíça em Bruxelas observou, "a UE terá menos tempo para se ocupar de nós". Por sua parte, Schneider-Ammann afirmou com uma modéstia considerável. "O Brexit dificilmente reforçaria a estabilidade na Europa, o que ainda teria um efeito sobre a Suíça",

Para ser honesto, ninguém sabe o que vai acontecer. Nenhum membro da UE abandonou o bloco até então e tudo depende de como serão as amargas negociações de "divórcio" após o Brexit. Essa incerteza já tem um efeito sobre a libra e o franco suíço.

O que é certo, porém, é que qualquer que seja o acordo entre a UE e a Grã-Bretanha, ele vai determinar se a Suíça se beneficiará ou não do Brexit. Volte aqui para saber mais detalhes…

Você acha que a Suíça poderá se beneficiar do Brexit? Dê a sua opinião.

swissinfo.ch em português


Adaptação: Alexander Thoele,
swissinfo.ch

Fonte: Rádio Swiss Info

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