Orlando: religioso muçulmano gay diz que Islã não condena homossexualidade

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Orlando: religioso muçulmano gay diz que Islã não condena homossexualidade

Por

Adriana Moysés

mediaSala de orações da mesquita Capelette em Marselha.
Olivier Chermann/RFI

Para o pregador muçulmano (imã) francês Ludovic Mohamed Zahed, fundador da primeira mesquita dedicada ao público LGBT na França, o atirador da boate gay em Orlando, Omar Mateen, é "um desequilibrado que teve sua percepção sobre os homossexuais distorcida pela manipulação da ideologia fascista do grupo Estado Islâmico".

Em 2010, Zahed fundou a primeira Associação de Homossexuais Muçulmanos da França. Ele se autoproclama o único teólogo no mundo a ter estabelecido relações entre ciências humanas, estudos de gênero e ciências religiosas. Doutor em Antropologia pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (EHESS) e professor de psicologia cognitiva, Zahed afirma que as pessoas que buscam uma condenação do homossexualismo no Alcorão se enganam. "O texto sagrado do Islã não faz qualquer referência explícita à homossexualidade", diz o estudioso.

O ataque contra a Pulse ganhou outra dimensão com as revelações de que Omar Mateen seria um frequentador da boate gay e teria conflitos em relação a sua sexualidade. Algumas pessoas ouvidas pelo FBI nas investigações, como a ex-mulher do atirador, Sitora Yusifiy, disseram que ele tinha "tendências homossexuais". Descrito como muçulmano não praticante, de origem afegã, o americano de 29 anos matou 49 pessoas e deixou 53 feridos na madrugada de domingo (12).

Pouco antes de entrar em ação, Mateen telefonou à polícia para declarar lealdade ao grupo terrorista Estado Islâmico. Porém, o presidente Barack Obama disse que, por enquanto, apesar de a organização sunita ter reivindicado o ataque, nada indica que o massacre foi pilotado do exterior.

Em entrevista à RFI, o teólogo Ludovic Mohamed Zahed falou sobre o atentado na Pulse.

Qual foi a reação do senhor quando soube do ataque em Orlando?
Fiquei muito triste, chocado e revoltado. Pessoas desequilibradas, que buscam uma forma de se suicidar, levando com elas, infelizmente, um máximo de pessoas, colocam nas costas do Islã violências inaceitáveis e que devem ser condenadas com firmeza. Meus sentimentos e minhas orações vão às famílias das vítimas. Eu nunca vou aceitar essas situações. A maioria dos muçulmanos sofre com esses ataques, inclusive nos países árabes e muçulmanos. Nós somos as primeiras vítimas de um islamismo terrorista que na realidade é um fascismo contrário aos valores do Islã.

O fato de Omar Mateen ter sido criado de acordo com a tradição muçulmana, apontada como conservadora em termos de costumes, pode ter contribuído para essa atitude homofóbica?
Acredito que nesses atos bárbaros existem vários fatores determinantes, mas o fator principal é a falta de instrução, a miséria econômica e intelectual. Ela empurra esses indivíduos para uma construção da imagem das minorias sexuais que é extremamente violenta e baseada no ódio. O fato de ser muçulmano não é determinante nessa homofobia. Porém, um certo Islã, uma certa representação fascista do islamismo, manipulada pelo grupo Estado Islâmico, pode contribuir para atiçar o ódio. Quando o imã de Orlando, algumas semanas antes do atentado, dizia que a homossexualidade deve ser punida com a pena de morte, eu acho que esse pregador deve ser preso. Ele é cúmplice desse tipo de ataque. É preciso proibir e combater as interpretações distantes da ética islâmica. Essas pessoas tentam justificar sua homofobia distorcendo os textos sagrados do Alcorão, de uma maneira que é interessante para eles. É uma atitude criminosa que encoraja desequilibrados a ver, em uma minoria sexual, um bode expiatório para exteriorizar seus ódios e frustrações.

Como o islamismo vê a homossexualidade?
Na minha opinião, o Islã não é um sistema fascista de controle das identidades. O islamismo não se refere explicitamente à homossexualidade. Os textos sagrados falam sobre a forma como devemos viver nossa sexualidade, ou seja, de maneira integrada e tranquila em relação a outros aspectos da nossa vida. Em mais de 70 versos, o Alcorão cita relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo. Isso acontece nas referências a Sodoma e Gomorra [duas cidades que teriam sido destruídas por Deus devido a práticas imorais, segundo a bíblia judaica], em um contexto de guerra entre israelitas e sodomitas da época. Os sodomitas não eram homossexuais. Eles são descritos como piratas, que violentavam homens e mulheres. Praticava-se o estupro ritual, o que foi confirmado por historiadores como o grego Heródoto (485?-420 a.C.).

Essas pessoas não tinham as mesmas práticas que o restante das populações da planície da Mesopotâmia, o que foi chocante naquela época tanto para israelitas quanto para os muçulmanos. Quando lemos a tradição do Profeta, vemos que ele acolhia homens afeminados, andróginos e transgêneros. O Profeta defendia essas pessoas de agressões que podemos hoje definir como transfóbicas ou homofóbicas. O Profeta recebia essas pessoas em sua casa, entre mulheres e crianças. As mulheres não se cobriam com véus diante deles porque, segundo a tradição, eles não tinham desejo por mulheres. Eles mantinham relações sexuais entre eles ou com outros homens. Então, havia uma grande tolerância na época do Profeta, 1.400 anos atrás. Hoje, estamos perdendo essa tolerância por causa de fascistas que se dizem muçulmanos, quando na verdade são totalmente contrários à ética do Islã e ao exemplo que o Profeta deu aos muçulmanos. As pessoas que buscam uma condenação da homossexualidade no Alcorão se enganam, porque o texto sagrado do Islã não faz qualquer referência a isso. É uma interpretação distorcida para justificar atos de violência contra minorias sexuais, religiosas e étnicas.

O senhor se refere a extremistas islâmicos?
É exatamente o que faz a organização Estado Islâmico no Oriente Médio, infelizmente. A mesma coisa que os nazistas fizeram na Segunda Guerra Mundial e no século passado. A gente observa através da história da humanidade, independentemente da cultura considerada, que quando existe uma crise identitária e econômica, uma minoria tenta impor o medo ao restante da população, massacrando os mais fracos. Isso nada tem a ver com o Islã e com a cultura árabe em geral, que foi durante séculos impregnada de tolerância em relação a minorias religiosas e sexuais, inclusive com produção de poesias homoeróticas. Na época em que a Europa era puritana, os europeus condenavam os árabes por causa dessas liberdades. Atualmente, há uma inversão de valores. Imãs e aiatolás que se atribuem todos os poderes, num tipo de teocracia fascista moderna, não têm nada a ver com a ética do Islã.

O senhor se sente livre para defender essas ideias na França?
No início, quando comecei a abordar essas questões, recebi algumas ameaças. Porém, o número de pessoas que me encorajaram, dizendo que meu discurso dava nova esperança aos muçulmanos, foi bem maior. Mesmo se houve algumas incompreensões no início, hoje nós somos cada vez mais numerosos, e agradeço a Deus, a ter consciência da enganação que representa o Estado Islâmico. Não passa de fascismo. A imensa maioria dos muçulmanos quer viver sua espiritualidade em paz, de forma fraterna com o restante da população.

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Fonte: Rádio França Internacional

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