Transmissão de valor aos filhos e festas lideram reclamações entre casais binacionais

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A criação dos filhos e o conceito de divisão entre espaço privado e social são os dois maiores motivos de conflitos entre casais binacionais de origem brasileira e suíça.

Helene Labenz Gawlik consegue driblar melhor os conflitos porque pai era alemão  (swissinfo.ch)

Helene Labenz Gawlik consegue driblar melhor os conflitos porque pai era alemão

(swissinfo.ch)

As razões estão diretamente ligadas às diferenças culturais entre os dois países, que funcionam em lados opostos em muitas categorias, como por exemplo comunicação, gestão do tempo e das finanças. Assim como outras sociedades com históricos e origens tão diversas, suíços e brasileiros têm variadas maneiras de educar e valores morais, e discordantes conceitos sobre questões triviais, como família, amizade e lar, por exemplo.

Os dados foram gerados por meio de sondagem qualitativa, realizada com 18 brasileiras casadas com suíços ou estrangeiros criados no país. A pesquisa, realizada pela swissinfo.ch no mês de outubro deste ano, perguntou às brasileiras quais seriam os maiores causadores de conflitos com seus maridos devido a diferenças culturais. O estudo inclui mulheres, com idades que variam de 22 a 60 anos, casadas ou divorciadas, moradoras dos cantões de Schwyz, Zurique, Argóvia, Solothurn e Berna.

A educação dos filhos e o conceito de vida privada empataram. Das 18 entrevistadas, sete relataram problemas com relação a esses temas. Em terceiro lugar, com seis pontos, entra a categoria "finanças", que inclui tantos gastos desnecessários, principalmente relacionados a compras exageradas de sapatos, quanto à preocupação exacerbada em economizar dinheiro para a aposentadoria. Logo após, com quatro pontos na lista, entra a divergência quanto à utilização do tempo livre: o marido quer férias na montanha, a esposa na praia; o homem acha que precisa estar em dia com as tarefas domésticas no fim de semana, a mulher quer passear.

* Artigo do blog "Suíça de portas abertas" da jornalista Liliana Tinoco Baeckert

Educação dos filhos – não importa a idade da prole. A celeuma inclui tanto discordâncias na educação de crianças pequenas quanto de adolescentes de 18 anos. Os pais suíços encaram a iniciação sexual dos filhos como um assunto normal, permitindo que tragam inclusive namorada para dormir em casa. As mães brasileiras, no entanto, são muito mais conservadoras nesse quesito. Segundo Ana Dias*, o marido acha normal a filha de 14 anos sair com as amigas à noite e ainda comunica a ela que pode começar sua vida sexual antes dos 18 anos. Quando se trata de crianças pequenas, eles também se mostram mais liberais. "Meu marido acha tudo normal e nada perigoso. Ele quer nossas filhas livres, subindo em árvores, enquanto eu tenho medo que elas caiam", relata Milena Bach*, uma das entrevistadas.
Mas quando o assunto é permitir que os filhos assistam televisão, os suíços se mostram mais tradicionais e contra a adoção da famosa "babá eletrônica", entrando em conflito com as esposas brasileiras. E aí que a cultura explica sua importância: o brasileiro está entre as seis nacionalidades que mais assistem televisão no mundo, de acordo com pesquisa divulgada em 2013 pela Motorola Mobility, que confirma o que já se sabia por observação. A pesquisa constatou os hábitos de cerca de 9,5 mil consumidores de 17 países. O exemplo citado é emblemático e serve para mostrar que a cultura se faz muito forte quando se trata da criação dos filhos. Na Suíça, país seguro e repleto de florestas, é comum que crianças brinquem mais na rua, tenham contato com a natureza e, consequentemente, subam em árvores.

De acordo com Marla Alupoaicei, autora de livros sobre o assunto, quando o primeiro bebê nasce, a dinâmica de um casal muda drasticamente, mas mais ainda para um casal binacional. "Além da enorme responsabilidade que acompanha a tarefa de criar um novo ser, o casal vê a tensão crescer paralelamente à incerteza sobre como proceder. Ideias culturais sobre criação das crianças são muito enraizadas, indivíduos geralmente lutam para identificar seus próprios valores e atitudes sobre o tema", explica Alupoaicei, em seu livro O seu casamento intercultural: um guia para um relacionamento saudável e feliz (em inglês: Your Intercultural Marriage: a guide to a healthy, happy relationship). Ela explica ainda que pais que enfrentam problemas na criação dos filhos estão, na verdade, batalhando sobre diferenças básicas de filosofia, valores e crenças que o casal ainda não conseguiu resolver.

Conceito de espaço privado versus social – brasileiro gosta de festa, não é nenhuma novidade. Já os suíços são muito mais reservados. Entre as reclamações dos maridos estão a presença constante de amigas da esposa em casa, o que tira a privacidade; e a necessidade de silêncio e de isolamento, principalmente quando ele visita os parentes da mulher no Brasil. "A minha família não entende porque o meu marido necessita permanecer algumas horas trancado no quarto de hóspedes quando todos estão conversando lá fora", relata Dalila Meyer*.

De acordo com Rosemary Jaggi, seu problema é que sempre foi muito comunicativa e festeira, e queria fazer dos novos amigos que conheceu na Suíça membros da família, na tentativa de repetir as reuniões de domingo com galinhada em Goiás. No caso de Rosemary, entram dois outros aspectos culturais, além do privado e social: os diferentes conceitos de domingo e de família. Em uma cultura coletivista, como o Brasil, amigos também podem fazer o papel de família. Afinal de contas, quanto mais gente melhor.

Finanças: a entrevistada Tatiana Beyer* não consegue entender a preocupação exagerada com o dinheiro para a aposentadoria. Ela compreende a necessidade de economizar para o futuro, mas acha que os suíços tomam a questão quase como uma paranoia. "Eles são muito precavidos com as finanças. A gente nem pensa nisso no Brasil. Isso não significa que eles sejam pão duros, eu acredito que eles têm prioridades diferentes, mas o jeito como levam a coisa é exagerada. Suíço gasta fortunas com bebidas, por exemplo", diz Tatiana.

Algumas das entrevistadas tiveram que conter os gastos com supérfluos, principalmente com a compra de roupas e sapatos. Segundo a brasileira Leda Pearl*, quando chegou à Suíça, ela gastava muito, comprava o que via, fato que se arrepende. Se os suíços vivem felizes com no máximo três pares de sapatos, o brasileiro se comporta de outra forma quando consome. Estudo do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) de 2013 confirma: 46% da população não controla seu orçamento. As mulheres só repetem o comportamento que já tinham no Brasil.

Jogando futebol com a torcida ao contrário

É importante mencionar que qualquer relação a dois necessita de ajustes, mas o relacionamento entre duas pessoas de culturas muito diferentes tem adicionados alguns fatores complicadores. Além de todos os motivos de conflitos citados na matéria, o estilo diferente de comunicação é o maior ponto frágil. Um dos cônjuges não irá falar a língua nativa. Há casos de casais que lançam mão de uma terceira língua, o que significa que um dos dois estará em desvantagem ou os dois se comunicarão em uma língua que não dominam 100%, porta aberta para mais mal-entendidos. De acordo com a psicóloga e pesquisadora da Universidade Católica de Pernambuco, Flávia Schuler, em uma cultura diferente, dificuldades na comunicação se ampliam, mas isso não significa que não possam ser resolvidos", explica.
A pesquisadora, que escreveu dissertação de mestrado sobre o assunto, diz que até a forma de falar do alemão, que tem uma sonoridade e um tom bem diferentes do português, causa mal-entendidos entre os casais binacionais. Além disso, some o fato de que as culturas germânicas têm uma forma mais direta de falar o que pensam. "Isso no dia a dia soa como ofensa pessoal, o que muitas vezes é somente uma forma diferente de comunicar o que se deseja", diz.

Dessa maneira, Flávia Schuler defende o esclarecimento sobre o tema cultura. Isso inclui que esposas e maridos estejam abertos a essas diferenças. "Quando a esposa migra para a Suíça, a carga de adaptação pesa mais sobre ela. É como se ela jogasse futebol com a torcida ao contrário. Por isso acredito na importância do marido e da esposa compreenderem e aceitarem que suas culturas são diferentes e entrarem em acordo", enfatiza.

*Alguns nomes foram mudados a pedidos das entrevistadas.
Os pontos de discordância, de acordo com a sondagem:

Os pontos de discordância, de acordo com a sondagem:

Categorias

Suíços

Brasileiras

1

Criação dos filhos

Dão mais liberdade

Criança de 3 anos é considerada apta a brincar sozinha na rua

Permitem que filhos tragam namorados para dormir em casa

Não quer que a criança assista a TV

Iniciação sexual mais aberta

Mães precisam sair todos os dias com filos para pegarem luz do sol, mesmo quando frio

Bebês só devem tomar banho duas vezes por semana

Crianças vão à escola sozinhas

Noção diferente de perigos e riscos para crianças

Vigilância atenta aos pequenos

Maior permissividade quanto à TV

Não querem sair de casa se faz frio

·Banho todos os dias, até mesmo duas vezes

·Crianças vão à escola de carro

2

Privado e Social

Só convidam pessoas íntimas para casa

Precisa ter momentos de privacidade e se fechar no quarto, mesmo que esteja visitando a família brasileira em viagem

Poucos amigos e amizades são eternas

Fazem questão de convidar vários amigos e conhecidos para reuniões com muita comida em casa.

Muitos amigos, incluindo recém conhecidos, colegas do trabalho

3

Gerenciamento das Finanças

Preocupados em guardar dinheiro para a aposentadoria

·compra desenfreadamente

Aquisição de supérfluos

4

Tempo Livre

Férias na montanha

Fim de semana é ideal para colocar o trabalho de casa em dia

Domingo é dia de silêncio e de descanso

Férias na praia

Fim de semana foi feito para curtir com a família, festejar com amigos e não trabalhar

Domingo é dia de convidar os amigos para almoçar em casa e criar um clima de festa em família

5

Jeito Extrovertido

Discretos

Realista

Contido

Gosta de sossego

Ri muito e alto

Otimista

Emocional, chora e ri com facilidade

Gosta de festas

6

Conceito de família

Família é basicamente mãe, pai e filhos. Tem dificuldade de aceitar a grande quantidade de integrantes da família brasileira

Pouco contato com a família (pais, avós, tios)

O conceito de família inclui tia, tios, primos, vizinhos, amigos e até animais de estimação

Contato constante com família no Brasil

7

Organização da casa

Lixeira para dejetos biológicos

Como gosta de colocar a casa em ordem, tende a ser mais organizado

Prefere jogar tudo no mesmo lixo, sem separar

Acumula objetos

8

Agenda e Pontualidade

Pontual

Organização do tempo

Tem que aprender a ser pontual

Várias festas de uma vez só, sempre atrasada

9

Idioma

Mal-entendido por língua diferente

Humor diferente por conta da língua

Demanda em relação à proficiencia da língua alemã

Mal-entendido por língua diferente

Acha muito difícil aprender alemão

Fonte: Swiss Info

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