O artista que salvou uma noite complicada em Montreux

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Na quinta-feira, 18 de julho de 1985, o programa do Montreux Jazz Festival tinha na noite brasileira nada menos do que Tom Jobim e João Gilberto. Mas o “convidado-surpresa” foi José Barrense-Dias, em um contexto que faz parte da história do festival.

José Barrense-Dias em sua última apresentação até agora em Montreux, em 9 de julho de 2008. (Keystone)

José Barrense-Dias em sua última apresentação até agora em Montreux, em 9 de julho de 2008.

(Keystone)

O músico baiano já morava e trabalhava na Suíça desde 1965. Como Montreux praticamente nunca programava artistas brasileiros residentes na Europa, José Barrense-Dias estava na sala do Casino para ver dois de seus ídolos, João Gilberto e Tom Jobim.

Mas o fundador e diretor do Montreux Jazz Festival, Claude Nobs, ignorava que os dois não se entendiam há ano e nenhum dos dois queria “esquentar” a sala para o outro.

João Gilberto tinha chegado um dia antes e passado o som com toda a meticulosidade conhecida. Os técnicos e engenheiros do som quase enlouqueceram porque João testou 17 microfones até achar um do seu agrado.

Tom Jobim chegou com o grupo no final da tarde do show, pois estava em turnê. Foram para o hotel tomar banho, trocar de roupa para passar o som e já ficar para a apresentação.

Além do desentendimento na ordem de apresentação, surgiu uma complicação adicional. A televisão suíça transmitia os concertos, mas isso não constava dos contratos. Tom teria exigido 8 mil dólares a mais e João 15 mil.

A sala estava repleta e o público começou a ficar impaciente, pois o show estava muito atrasado.

Foi aí que Claude Nobs reconheceu José Barrense Dias entre os espectadores. “Ele me chamou e quase me implorou para que eu entrasse em cena”, conta o músico para swissinfo.ch no mesmo apartamento em que mora desde que chegou à Suíça, em 1968.

Táxi em alta velocidade

“Eu disse que não era possível, que meu violão estava em casa e eu só tocava com meu instrumento” Barrense-Dias é canhoto. Alguém do festival telefonou na casa dele e falou com sua esposa para trazer o violão. “Quando entrei no palco, tinha um barulho incrível por causa do atraso do show. Na terceira música já havia silêncio total”.

José tocou exatos 58 minutos e quando Claude Nobs entrou para anunciar o fim (para montagem do equipamento do grupo de Tom Jobim), foi vaiado pelo público. O músico guarda como uma relíquia uma gravação de sua apresentação naquele dia.

Quando saiu do palco, enfiaram um envelope no bolso dele. José diz que nem olhou e ficou no bar do festival até às 8 da manhã. Quando chegou em casa e abriu o envelope dentro tinha somente 500 francos suíços. “Foi uma humilhação. Tinha salvado aquela noite do festival e me pagavam aquela mixaria”, diz Barrense Dias, ainda um pouco ressentido quando se lembra. “Se Claude Nobs tivesse me apresentado aos empresários americanos, teria mudado a minha vida”, acrescenta.

O ressentimento da época se estendeu a João Gilberto e Tom Jobim. “Guardei os discos que tinha deles e só voltei a ouvi-los muito tempo depois”.

A volta à Montreux

Dois anos depois, em julho de 1987, la estava de novo Claude Nobs contando parte da história de Tom e João para apresentar José Barrense Dias, dizendo que o tinha convidado, como você pode ver no vídeo:

José diz que não foi convidado por Nobs e que nunca lhe pediria nada. Naquela noite dos guitarristas (ali estavam entre outros, Carlie Elis, Stanley Jordan, Paco de Lucia e John Mc Laughlin) “Quem falou com Claude Nobs foi um embaixador brasileiro em Genebra e ele aceitou”, precisa Barrense-Dias. Dessa noite dos guitarristas, foi gravado um disco “José Barrense-Dias live at Montreux Jazz Festival”

A última vez, até agora, que José Barrense-Dias pisou no palco de Montreux foi em 1998, quando saiu um livro sobre sua vida “Riam de Mim” na tradução em português, escrito pelo jornalista suíço Claude Gerbex. Foi ele quem convenceu Claude Nobs a programar José Barrense-Dias.

Projetos

No entanto, o músico baiano reconhece que o fato de ter se apresentado no Festival de Montreux abre muitas portas. “Viajei bastante e, do Canadá ao Brasil, passando por Bélgica e França, Montreux é sempre lembrado e sempre tive casa cheia”.

Aos 83 anos, Barrense-Dias continua trabalhando diariamente. “Tenho umas 200 composições gravadas em 23 LPs e 20 CDs. Não gravadas tenho mais de 300. Componho todo dia, é a minha vida. Quando não componho, pinto. Quando não componho nem pinto, eu durmo”

O artista está atualmente em fase de conclusão de um novo projeto a ser lançado até o final deste ano. Trata-se de um livro que contém algumas de suas pinturas, testemunhas de personalidades sobre sua carreira e, no final do livro, um disco com composições relativas às pinturas. O músico tornou-se tão popular e reconhecido na Suíça que existe inclusive a Associação de Amigos de José Barrense-Dias.

Biografia breve

José Barrense-Dias nasceu em 23 de setembro de 1932, em Angico, interior da Bahia. Muito cedo se interessava por poesia e música. Aos 15 anos foi para São Paulo, onde já morava um irmão. Ouvia músicos nos bares, tocava violão de ouvido. Estudou solfejo e em 1958 obteve um certificado da Academia Brasileira de Violão. Já vivia de música e alguns anos depois outros três músicos o convidaram para tocar na Itália. Depois vieram tocar em Lausanne. Foi aí que conheceu Pierrette, sua esposa até hoje. Instalou-se em Nyon (oeste) em 1965. Em 1969 gravou seu primeiro disco. Em 1970 foi contratado pelo Conservatório de Genebra, onde trabalhou durante 32 anos.

Apresentou-se três vezes no Festival de Montreux e no Festival de Nyon, os dois maiores da Suíça.

Gravou até agora 32 LPs e 20 CDs (200 composições suas) e tem mais de 300 composições inéditas.

swissinfo.ch

Fonte: Rádio Swiss Info

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