Nova geração de asiáticos franceses se levanta contra o racismo

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Nova geração de asiáticos franceses se levanta contra o racismo

Por

Gabriel Brust

mediaComunidade chinesa de Paris protestou por mais segurança após o assassinato de Zhang Chaolin.
REUTERS/Gonzalo Fuentes

Quando criança, Sandrine Kao se acostumou a ouvir gozações dos colegas na escola em que frequentava, na periferia de Paris, por causa de seus traços asiáticos. A infância de uma menina de origem taiwanesa inspirou o personagem de seu livro Le Banc, romance infanto-juvenil que denuncia um preconceito crescente contra orientais na França. Após décadas de silêncio de seus pais imigrantes, uma nova geração de descendentes de orientais, como Sandrine, faz agora um grande movimento para denunciar o racismo e a violência vividos por suas comunidades.

O estopim do movimento que levou milhares de asiáticos – principalmente chineses – a protestar na Praça de République, em Paris, no último domingo (4), foi o assassinato de Zhang Chaolin, um costureiro de 49 anos. Ele foi espancado até a morte e teve a mochila roubada, em Aubervilliers, cidade da periferia nordeste de Paris que concentra muitos imigrantes de diferentes origens, mas principalmente árabes e, mais recentemente, asiáticos.

“Nossos pais têm uma cultura de que não se deve criar problemas, se deve ficar discreto”, explica Sun-Lay Tan, 38 anos, francês de origem chinesa que é vereador da cidade de Mitry-Mory. “Eles são fatalistas, porque viveram a guerra, então não ligam de serem insultados”, contou ele à RFI Brasil. Tan foi um dos líderes da manifestação de domingo e também lançou uma petição dirigida ao presidente François Hollande, exigindo medidas mais duras contra a violência aos asiáticos na periferia de Paris.

“Mas a nossa geração nasceu na França, crescemos aqui e aprendemos a cultura da indignação, que não se deve deixar passar esse tipo de coisa, que é preciso lutar. Não podemos continuar a ser insultados, agredidos”, diz Tan. Dos 600 casos de agressão registrados nas delegacias de Aubervilliers desde janeiro deste ano, 105 foram contra chineses – o triplo do ano passado. O movimento liderado por Tan estima que o número é maior, podendo chegar a 60% do total das agressões, já que os registros levam em conta apenas a nacionalidade da pessoa – não contabilizam, portanto, os chineses nascidos na França.

No livro de Sandrine Kao, o personagem Alex ouve ofensas pueris, de crianças, como “cara de rolinho primavera” ou “tigela de arroz”, espelho da própria infância da escritora de 32 anos. “A minha origem asiática me incomodava, tinha a impressão que ela só me atrapalhava, já que era motivo de gozação dos colegas”, explicou Sandrine à RFI Brasil.

Entre os adultos, um dos preconceitos mais comuns é o de que asiáticos, com frequência comerciantes, costumam carregar grandes quantidades de dinheiro. Isso seria a motivação para parte das agressões, em geral acompanhadas de roubo, como a que levou à morte de Zhang Chaolin. “O preconceito não é algo novo”, afirma Sandrine. “Mas agora ficou mais visível porque a nova geração oriunda da imigração asiática é composta de franceses nascidos aqui, que estudaram aqui, e agora podem se expressar com mais facilidade”, completa a autora.

“O preconceito não é algo novo”, confirma Tan. “Mas as agressões racistas, sim. Passamos de simples palavras para agressões”, protesta. A manifestação de domingo ocorreu ao lado de um dos principais bairros asiáticos de Paris, Belleville, que em 2010 sofreu com a mesma onda de violência que agora assola não apenas Aubervilliers, mas também as cidades vizinhas La Courneuve e Pantin. Os manifestantes pedem que a mesma política que endureceu o combate à criminalidade no bairro de Paris seja levada para as cidades da periferia.

“Em La Courneuve, os jovens dizem abertamente ‘vamos pegar os chineses’. São ameaças e palavras, não apenas atos”, relata Tan. Segundo o vereador, o perfil dos agressores é de jovens, com frequência menores de idade. “Antes, quando dizíamos na delegacia que os agressores eram árabes, negros ou indianos, nos respondiam que isso era racismo da nossa parte”, critica Tan.

O rapper francês de origem cambojana Lee Djane dá pistas de que pode estar havendo de fato uma reação de diferentes grupos de imigrantes ao crescimento da comunidade chinesa. “Eu falo das eternas vítimas do racismo/Eles também são uns idiotas/Os franceses incomodam os negros e os árabes/E estes, por sua vez, vêm pra cima da gente”, canta Lee Djane em sua música mais famosa, que tem o título “Eles Me Chamam de Chinês”.

Segundo o rapper, ser chamado de genericamente de chinês é uma das coisas que mais incomodam os asiáticos oriundos dos mais diferentes países. “Na verdade, pouco importa o seu país de origem, se você é chinês ou vietnamita, a França ‘negra, branca e árabe’ não está nem aí”, afirmou Lee Djane em um artigo para o site da revista L’Obs. A letra de seu rap também sugere que a nova geração está disposta a revidar com violência: “Tirar sarro da gente é fácil/Porque dizem que somos dóceis/Pelo que dizem, temos um pinto pequeno/Mas eu vou te fazer uma garganta profunda para você engolir seus gritos e risos.

A reação da comunidade chinesa à morte de Zhang Chaolin também pode se mostrar bastante violenta. Autoridades de Aubervilliers temem a formação de milícias na comunidade para fazer justiça com as próprias mãos. O sistema penal francês é considerado frouxo pelos líderes do movimento, especialmente contra os menores de idade, principais agressores dos asiáticos.

Nesta segunda-feira, a prefeita da cidade, a comunista Meriem Derkaoui, foi enfática sobre os conflitos entre comunidades de imigrantes. “Não aceitarei a mínima divisão entre os moradores”, afirmou. Mas fotos de supostos agressores circulam nas redes sociais e aplicativos utilizados pela comunidade chinesa, como WeChat e Weibo, incentivando represálias. Na cidade vizinha, Bobigny, sete chineses foram presos por terem espancado um homem suspeito de tentar roubar um integrante da comunidade.

Em um encontro com a família do costureiro chinês assassinado, o ministro do Interior francês, Bernard Cazeneuve, prometeu “reforçar os efetivos policiais da região”. O primeiro-ministro Manuel Valls disse que “a violência sofrida por nossos compatriotas asiáticos são inaceitáveis”. Para a escritora Sandrine Kao, o episódio “revela um mal-estar mais profundo” na sociedade francesa, que deve ser combatido “com a sensibilização dos jovens a uma maior abertura cultural.”

Segundo ela, as reações das crianças e jovens ao seu livro mostram que isso é possível. “Em um dos meus encontros em escolas, uma professora me contou que a leitura ajudou um de seus alunos, originário da Mongólia, a superar a vergonha que tinha de suas características físicas. Ele acabou revelando um grande talento para o desenho e pôde mostrar isso aos colegas”, conta Sandrine.

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Fonte: Rádio França Internacional

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