Como combater os black blocs? França se questiona

0
87
  • Tweeter

França

Paris

Protestos

Manifestação

Vandalismo

Como combater os black blocs? França se questiona

Por

Lúcia Müzell

mediaGrupos de black blocs depredam as ruas para se armar, em meio às manifestações contra a reforma trabalhista.
REUTERS/Philippe Wojazer

A depredação da fachada de um hospital infantil por um grupo de black blocs parece ter sido a gota d’água que estourou a paciência dos franceses com os militantes radicais. Os manifestantes violentos têm sistematicamente se infiltrado nas manifestações contra a reforma da lei trabalhista na França, ao ponto de levar o presidente do país, François Hollande, a ameaçar proibir os protestos se os incidentes voltarem a se repetir.

No contexto do estado de emergência em que vive a França desde os atentados terroristas do ano passado, a preocupação com a segurança é ainda maior. O país se questiona como barrar a atuação desses grupos – se, por um lado, proibir as manifestações parece uma medida extrema e antidemocrática, por outro, os franceses cansaram do rastro de destruição e medo deixado pelos jovens cobertos de preto e preparados para o combate. Estimados em algumas centenas em cada protesto, os black blocs escondem o rosto para evitar a identificação e protegem os olhos com óculos de esqui, contra o gás lacrimogêneo da polícia que, cedo ou tarde, esfumaça os protestos.

Dinâmica de ação e motivações diversas

Os sindicatos de policiais reclamam das orientações de ação que vêm de cima, do Ministério do Interior: as forças de ordem só podem agir depois que são atacadas. Sendo assim, os agentes se acostumaram a assistir, impotentes, aos black blocs se equipando para a guerrilha urbana. Primeiro, em meio à multidão, quebram muros e paradas de ônibus para recuperar pedaços de concreto e vidro, que servirão de armas. Depois, se reagrupam rapidamente e gritam palavras de ordem contra a polícia. Por fim, buscam o conflito direto.

No percurso, ainda não perdem a chance de destruir tudo o que represente o establishment, como bancos e lojas de grandes redes internacionais. Quase sempre, os militantes de extrema-esquerda são anarquistas, contrários à globalização, ao sistema e ao capitalismo, mas também reivindicam causas específicas, como a ecologia ou a defesa dos migrantes.

Queixas dos policiais

Um dos maiores problemas para a intervenção policial é a presença de manifestantes pacifistas ou de habitantes no meio da confusão. Outro empecilho, alegam os representantes da categoria, é a limitação para o uso de ferramentas de repressão da violência, como tiros de granadas de gás lacrimogêneo ou de balas de borracha. Porém, incidentes graves recentes, como a morte de um manifestante e a perda de um olho de outro, fizeram com que as autoridades francesas prefiram manter a cautela durante os confrontos. Os sindicatos policiais reivindicam mais policiais destacados para garantir a proteção dos protestos, para aumentar o efeito de dissuasão.

Policiais reclamam que quantidade de agentes é insuficiente para garantir a segurança dos protestos.
MATTHIEU ALEXANDRE / AFP

Para tentar evitar novas confusões, o governo francês havia proibido 130 pessoas identificadas como violentas de participar dos protestos desta terça-feira (14). Mas a medida esteve longe de bastar: as autoridades dizem que havia entre 700 e 800 manifestantes violentos infiltrados na marca oficial, promovida pelo sindicato CGT.

Nesta quarta-feira (15), o primeiro-ministro, Manuel Valls, questionou a ambiguidade dos sindicatos organizadores dos protestos oficiais, contra a reforma trabalhista. “Quando não se é capaz de organizar uma manifestação, não se deve fazê-la”, acusou o premiê. “A CGT, um grande sindicato e que eu respeito, deve assumir a sua responsabilidade e fazer com que o seu serviço de ordem atue quando é preciso afastar um grupo de vândalos”, pediu Valls, referindo-se aos seguranças do sindicato, que devem enquadrar os protestos da entidade.

Quem são os black blocs da França

O pesquisador Olivier Cahn, do Centro de Pesquisas Sociológicas sobre o Direito e as Instituições Penais, explicou ao jornal Metronews que existem três tipos de “casseurs” (quebradores, em tradução livre), como eles são chamados na França: jovens politizados, mas violentos, que pertencem a movimentos anarquistas; jovens da periferia que se aproveitam da situação para liberar a raiva contra o sistema; e uma categoria intermediária, formada por participantes da manifestação oficial e que simpatizam com o modus operandi dos black blocs – em geral, estudantes e desempregados pouco politizados. “O problema é que, como estes não são treinados como os outros, são sempre eles que acabam detidos pela polícia”, afirmou Cahn ao jornal francês.

Neste contexto, a contestação do projeto trabalhista de Hollande é apenas um pretexto: a cada grande evento internacional ou manifestação, a intervenção dos militantes radicais se repete, como ocorreu na Conferência do Clima de Paris (COP21), em dezembro.

“No início, esses movimentos surgiram na época comunista, contrária a Lênin. Eles então migraram para o anarquismo, valorizando a ação direta de reapropriação dos bens ‘roubados’ pelo capitalismo, além de rejeitarem cada vez mais as organizações, em prol da espontaneidade dos rebeldes”, explicou a professora de sociologia Isabelle Sommier, especialista em violência política e movimentos sociais da Universidades Paris 1 – Panthéon-Sorbonne, à revista LesInrocks. “Seja qual for a motivação principal – se houver -, a disposição para entrar em lutas físicas e a crença de que a violência é necessária e legítima é o DNA comum entre esses diferentes grupos”, disse a pesquisadora.

  • Tweeter

Fonte: Rádio França Internacional

Deixe uma resposta

Por favor digite seu comentário!
Por favor digite seu nome