Pare o carro! O jovem não está bem.

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Arte: Carlos Eduardo de Andrade

Yo voy a morir, exclamou o gordinho naquele tom trágico infantil que ganhava contornos ainda mais melodramáticos sendo dito em espanhol. Devia ter uns oito anos e esboçava um chorinho no meio do cenário que é tido como o mais próximo de Marte que temos na Terra. Pessoas do mundo inteiro viajam milhares de quilômetros até o Deserto do Atacama no Chile e assim poder conferir se nada cresce mesmo no Vale de la Luna. É um espaço absoluto. Mas, nada é mais desolador que o desespero do gordito diante da possibilidade de caminhar qualquer metro a mais de areia, sal e sol. O pai volta impaciente para resgatar o filho que já estava à espera do fim da sua existência sentado numa pedra com a sua regata da Marvel.

Yo voy a morir. Esse sou eu, dias depois, em um país um pouco mais ao norte enquanto um Toyota Hilux importado diretamente da dinastia Cybercops do Japão noventista sacolejava todos os meus órgãos internos. Jhony AKA “B Goode” comanda a boleia com a missão de devolver a turistagem classe média para o conforto chileno, depois que já tiraram fotos suficientes para comprovar as experiências autenticamente humanas que vivenciaram na Bolívia nos últimos três dias. No entanto, parte da terra do Evo quer sair do meu corpo, o que deve ser tratado como literal considerando a quantidade de poeira engolida em todo o trecho.

Quando se chega em uma agência de turismo e se paga por um pacote para o Salar de Uyuni que inclui transporte, alimentação e hospedagem pelo preço mais barato das seis ruas de San Pedro de Atacama, você assume definitivamente que está aqui pela aventura. Você não tem medo do deserto sem estradas sinalizadas. Você não tem medo dos carros que parecem ter simplesmente transplantado com um machado o volante originalmente no lado direito para o lado esquerdo. Você não tem medo da ausência de cidades. Você não tem medo da variação extrema de temperatura. Você não tem medo de tomar banho frio (pois desafia bravamente a água gelada com alguns gritinhos de ai ai como faziam os antigos vikings).

Até que você chega na terceira noite comendo macarrão com cebola e tudo que é sólido desmancha em alguma parte obscura do seu corpo.

Yo voy a morir.

Enquanto imaginava todas as dificuldades de logística para o translado do meu corpo entre Bolívia-Guarapuava, percebo que não só voumorir como vou morir ouvindo Bon Jovi em SPANISH VERSION.

Na ida, pudemos apreciar o melhor que o Reggaeton não tem a nos oferecer com a discotecagem do nosso motorista Cesar, o bonzinho. (cabe ressaltar que éramos dois grupos nessa expedição, sendo que o segundo era formado por gurias israelenses e um casal alemão sendo guiados por Jesus, o malvado.

Por sua vez, Jhony cuidava do nosso retorno, vidas e ouvidos com uma pegada latino romântica.

♫Tarde ya y sin saber donde despierto sin rumbo
Porque un litro de vodka he bebido ayer 

Na verdade foi só água morna mesmo. Fato que a fuga de Uyuni passa a se apresentar como mais uma provação, um marco na vida em que ou você se torna adulto, aguenta as consequências de seus atos, ou chama seu pai pra te carregar no colo pois seu corpo e suas dobrinhas não são mais capazes de te sustentar em pé.

♫ Quiero tener tu amor entre vino y rosas
Y olividar por fin el dolor de ayer 

Não tem mais jeito. O ayer vem com tudo e o carro tem que parar na primeira mureta inca que encontra na beira do caminho. Passo a conjugar uma relação visceral com o solo que abriga a história dos nossos antepassados impregnando-o com aquilo que pode ser chamado de minha verdade mais interior.

Quando eu volto ao banco suado do Toyota, ignoro o olhar de reprovação por ser mais um piazão com o estômago fracote e me ajeito para desmaiar um pouquinho. Ignoro todo o antes implacável desconforto para cochilar aliviado. Meu corpo venceu o mal maior. A única coisa que insiste em invadir a minha percepção sonolenta é a certeza que John Francis Bongiovi Jr gravou todas aquelas versões lendo um papel com cada uma daquelas palavras escritas foneticamente.

♫ Cerca de ti, ser tu nombre, ser tu sombra
Tener tu amor, en tu cama de rosas 

Mais uma vez a Internet está corretíssima, pois se ama Bon Jovi e odeia Daniel é sinal de que não sabe falar inglês.

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