“A democracia direta não existe no Brasil”

0
132

Em meio à votação do impeachment no Brasil, Jean Wyllys visita a Suíça. Entrevistado por swissinfo.ch, o parlamentar brasileiro explica que seu principal objetivo é sensibilizar a opinião pública para o que considera "um golpe" e fala sobre homossexualismo e a democracia direta no Brasil.

 (Leta Motta)
(Leta Motta)

swissinfo.ch: O que o Senhor vai efetivamente apresentar ao público suíço?

Jean Wyllys: Eu vou apresentar um panorama da América Latina dos próximos 15 anos. Esse cenário, denominado Alerta Democrático, foi desenvolvido por 37 lideranças latino-americanas, fruto de uma discussão realizada em três etapas: no Panamá, na Colômbia e em São Paulo. Financiado pela Fundação Avina e Open Society, o projeto foi desenvolvido por um grupo formado por diferentes lideranças, como empresários, indígenas, pessoas de esquerda e de direita. A partir desses panoramas, que são pano de fundo para nos posicionarmos contra o golpe aplicado na presidenta deposta Dilma Rousseff, nós iremos discutir a democracia. Eu acho que é golpe e assim me posiciono para a sociedade internacional. Nós queremos sensibilizar os suíços sobre isso. Eu fui convidado pelo Centro Latino-Americano de Zurique (Lateinamerika-Zentrum Zürich), da Universidade de Zurique.

swissinfo.ch: O que leva um parlamentar brasileiro vir à Suíça para discutir suas posições contra o impeachment da presidente afastada e da luta em favor das causas homossexuais?

J.W.: Nós queremos sensibilizar a comunidade política e científica internacional para o que acontece no Brasil. A imprensa brasileira, que é extremamente hegemônica e está nas mãos de sete famílias, fez uma cobertura tendenciosa do processo de impeachment de Dilma Rousseff. O noticiário foi baseado em fatos que não correspondem à verdade do golpe parlamentar. Pretendemos também chamar a atenção para a situação das minorias no Brasil; não só dos homossexuais, mas também da juventude negra e pobre, que é assassinada pela polícia.

Eu vim à Suíça porque o país se interessa pela América Latina, o que demonstra com a criação do Centro Latino Americano de Zurique. Essa sociedade compreende o impacto da América Latina no futuro do mundo. Eles sabem que não há como se isolar, que o que acontece no continente sul-americano afeta o mundo. E eu fui convidado porque sou ativista reconhecido dos direitos humanos.

swissinfo.ch: Como o Senhor vê a democracia direta no Brasil? Caso ocorra uma reforma do sistema político, plebiscitos e referendos teriam algum papel nela?

J.W.: A democracia direta não existe no Brasil. Os plebiscitos e os referendos, como existem aqui na Suíça, apesar de estarem previstos na Constituição brasileira, quase nunca foram postos em prática. O último deles aconteceu em 2005, a despeito da proibição de armas de fogo e munição, conhecido como plebiscito do desarmamento.

Dilma Rousseff diz que se não fosse esse impedimento injusto, faria um plebiscito para consultar a população sobre sua permanência no governo. O meu mandato, por exemplo, é formado por conselhos: são 104 cidadãos consultivos. Parte dessas pessoas veio da campanha eleitoral. Nós nos reunimos de dois em dois meses, além de dimensão virtual por meio de redes sociais. O Brasil precisa aprofundar a participação democrática mais qualitativa.

swissinfo.ch: Em sua opinião, qual o papel da Suíça no combate à lavagem de dinheiro?

J.W.: Poderia ser mais eficaz, aprofundar e estender essas averiguações. As elites e o capital transnacionais, que são aqueles que não precisam ter endereço fixo, podem financiar horrores, além de dinheiro sujo de corrupção. A Suíça precisa aperfeiçoar o mecanismo de fiscalização sobre esse dinheiro. Pode ser que o Estado Islâmico esteja participando indiretamente da lavagem de dinheiro e as autoridades não saibam.

swissinfo.ch: Qual a sua avaliação do governo de Dilma Rousseff? Por que não houve grandes mobilizações no Brasil contra o impeachment?

J.W.: Houve grandes mobilizações. Não houve grandes coberturas. A imprensa brasileira até convocou o povo a ir em passeatas contra Dilma Rousseff. Ela não foi deposta porque tinha como inimigos Eduardo Cunha, Renan Calheiros e outros.

O problema dela foi mexer com o dinheiro das elites. O Brasil é um grande exportador de commodities agrícolas. O governo Lula promoveu o crescimento social, 40 milhões saíram da miséria. Lula tirou o Brasil do mapa da fome, mas tudo isso graças aos bons ventos da economia. Quando pararam de soprar a partir do governo Dilma, a crise econômica começou a impactar o Brasil.

Ela tentava solucionar essa questão, mantendo ao mesmo tempo os gastos com políticas sociais. As elites econômicas não queriam mais custear essas políticas. Queriam manter os seus privilégios e repassar a conta da crise para os trabalhadores. As classes dominantes não têm interesse na reforma tributária, na qual a tributação taxe as maiores fortunas. Ao contrário, querem acabar com as políticas sociais, desmontar a rede de proteção dos trabalhadores, conquistas desde a Era Vargas, como décimo terceiro, férias etc.

swissinfo.ch: O Congresso brasileiro sofre uma grande influência da bancada evangélica. Qual o verdadeiro poder das igrejas no país? Existe uma tendência dessa influência se tornar ainda maior com as próximas eleições parlamentares em 2018?

J.W.: Sim, principalmente com o governo Temer. Para que ele conseguisse maioria, ele precisou contar com essas forças fundamentalistas cristãs. Eles são força política poderosa. Eles não estão nos parlamentos, horários importantes em horários religiosos e discurso de ódio.

swissinfo.ch: O senhor é realmente o único parlamentar a lutar abertamente em favor da causa homossexual no Congresso?

J.W.: Eu sou o único a assumir a homossexualidade, mas existem outros parlamentares como Maria do Rosário (PCdoB) e Erica Kokay (PT), que também lutam pela causa. Elas são parceiras, mas a luta LGBT não é prioridade delas. Elas não são lésbicas, mas essa é a causa da minha vida.

Eu sou homossexual e ouvi o primeiro insulto na minha vida aos seis anos de idade. E desde então, o insulto nunca mais desapareceu. As pessoas de certa forma aceitam a difamação contra mim porque eu sou homossexual.

O Brasil ainda é um país homofóbico, onde calúnias na internet dizendo que eu apresentei projeto a favor da pedofilia e para as crianças mudarem de sexo ainda é aceito. Isso não é verdade, eu defendo, embora não seja de minha autoria, um programa educativo de redução de bullying homofóbico, que é o Escolha Sem Homofobia.

swissinfo.ch: Aqui na Suíça, desde a década de 90 é possível fazer cirurgia de troca de sexo, a partir de 2007 se tornou possível registrar relacionamento entre pessoas do mesmo sexo em alguns cantões. Mas ainda assim, o país ainda não tem uma estatística específica em violência contra homossexuais, transgêneros. A sua vinda aqui estaria relacionada de alguma forma de ajudar algum projeto em andamento nesse sentido?

J.W.: O projeto Escolha Sem Homofobia foi concebido no Governo Lula. Eu vou me encontrar com a Prefeita de Zurique para falar sobre isso e também vou me encontrar com vários representantes de grupos LGBT.

swissinfo.ch: O senhor não tem medo de perder votos com a questão do cuspe no deputado Jair Bolsonaro?

J.W.: Muito pelo contrário. Se eu tivesse que fazer isso de novo, eu faria. Então quer dizer que esse deputado pode dizer que arrancar as unhas das outras pessoas é normal? Defender crimes de tortura é aceito e um cuspe é considerado pior? Cuspe é uma resistência a um sistema corrupto.

Biografia

Jean Wyllys de Matos Santos nasceu em Alagoinhas, Bahia, em 10 de março de 1974.

Formou-se em jornalismo e tem mestrado em letras e linguística pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Atuou também como professor universitário na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e Universidade Veiga de Almeida (UVA).

Em 2005 participou da quinta temporada do programa televisivo Big Brother Brasil, no qual terminou com vitorioso e ganhador de um prêmio de um milhão de reais.

Foi eleito deputado-federal pelo PSOL-RJ em 2010 e reeleito em 2014.

Jean Wyllys foi uma das 50 personalidades incluídas na "Lista Global da Diversidade", divulgada pela revista britânica The Economist em outubro de 2015.

Fonte: Rádio Swiss Info

Deixe uma resposta

Por favor digite seu comentário!
Por favor digite seu nome